9.12.04

A Inquisição (ou um tiro no pé).

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“Lá vai, em grande cavalgada,
A Inquisição pela velha estrada,
De Esmoriz, Couto em caminho,
Lá passa a terras de Espinho.

Arfam cavalos, em trote veloz
Encabeça o grupo diácono algoz.
Estancam marcha, apeiam as solas,
Surgem já no Solar dos Violas.

… O diácono Albergaria sobe às escadas, esconjura o guarda-portão e olhando para a criada, diz:
- D. Vladimiro de Pesqueira, está?
- Não está não, saiu…
- Não minta, há gente que aqui o viu!
- Mas Senhor, eu não minto…
- Mentis! E porque assim mentis, jamais servireis na casa que vou governar!
- Mas Senhor, se ainda estais por entrar…
- Entro e o encontrarei, sei que está a jogar!
Lá entra a Inquisição, de lâmina afiada na mão, lápis azul na orelha e altivo olhar, de esguelha...
(Truz, truz, truz!)
- Quem bate?
- A Santa Inquisição!
- Ora bolas, agora que tinha uma boa mão!
- D. Vladimiro, abri! Sabemos que estais aí! Não sois digno de confiança, nem já nobre de vasta herança. Jogais e desbaratais o lugar que vos confiámos!
- Como, se fomos nós que vos apadrinhámos? Estranha altivez essa… vós não sois boa peça!
- Abri! Aqui trago toda a cúria, que antes vos quer ver na penúria, que em lugar de pretendente!
- Ah! Trazeis a dúzia vossa parente! E D. Teixeira também vem?
- Aqui estou, perguntais bem! Sabeis que a cúria eu chefio e que vos segurámos por um fio... que acaba de ceder!
- Estivestes a beber? Não faz sentido o vosso senso, quereis vós saber o que penso? Acaso achais que fico quedo, pensais que tenho medo? Bem abria esta porta e vos daria bofetada, mas é D. França quem guarda a chave e a porta está trancada! Ao meu lado tenho D. Mota, Morgado desta lota e testemunha de meu pesar. Mais além um frade amigo que, à parte barriga e umbigo, está pronto a pelejar!
- São tais Fidalgos interesseiros e o frade excomungado seja! Juramos, não sois mais pretendente ao Couto de Estarreja! Quem, como vós, por vício joga, não pode vestir a toga! Quem se rende a tal tentação, não pode ser nosso patrão!
- E quem vota contra mim, para que possais falar assim?
- Toda a minha família! Perdão… toda a família… da rosa!
- Tendes vós demasiada prosa! Tudo me deveis! Sou agora a fonte do mal?
- Dever? Não me lembro de tal!”